ENTREVISTA

Produtora define O Riso e a Faca como 'raro e precioso' após estreia em Cannes

Coprodução entre Portugal, Brasil, Romênia e França conta com brasileiros na equipe; Rolling Stone Brasil conversou com a produtora Tatiana Leite

ANGELO CORDEIRO | @OANGELOCINEFILO

Publicado em 23/05/2025, às 17h00
Tatiana Leite, convidada, Tiago Hespanha, Cleo Diára, Pedro Pinho, Jonathan Guilherme, Sérgio Coragem, Filipa Reis e Juliette Lepoutre - Dominique Charriau/WireImage
Tatiana Leite, convidada, Tiago Hespanha, Cleo Diára, Pedro Pinho, Jonathan Guilherme, Sérgio Coragem, Filipa Reis e Juliette Lepoutre - Dominique Charriau/WireImage

O cinema brasileiro marcou presença na 78ª edição do Festival de Cannes com O Riso e a Faca (I Only Rest In The Storm), longa-metragem dirigido pelo português Pedro Pinho (Djon África) exibido na prestigiada mostra Un Certain Regard.

A coprodução internacional entre Portugal, Brasil, Romênia e França conta com a participação de 31 profissionais brasileiros, entre eles a produtora Tatiana Leite e o diretor de fotografia Ivo Lopes Araújo. Inspirado na canção homônima de Tom Zé, o filme teve sua estreia mundial em Cannes e celebra a força da colaboração lusófona no cenário cinematográfico global.

Qual é a história de O Riso e a Faca?

O Riso e a Faca narra a trajetória de Sérgio, um engenheiro ambiental português que, ao trabalhar em um projeto rodoviário entre a selva e o deserto, se envolve afetivamente com dois habitantes locais: Diára e Gui. O papel de Gui é interpretado pelo brasileiro Jonathan Guilherme, ex-atleta de vôlei que hoje atua como poeta e ator em Barcelona, ao lado do português Sérgio Coragem e da cabo-verdiana Cleo Diára. A produção brasileira é assinada pela Bubbles Project, com distribuição nacional da Vitrine Filmes.

Além de Jonathan, outros nomes brasileiros integram o elenco e a equipe técnica, como o antropólogo Renato Sztutman, a montadora Karen Akerman, o editor de som Pablo Lamar e a produtora Tatiana LeiteRolling Stone Brasil conversou com Tatiana sobre os desafios da coprodução, a estreia em Cannes, além do papel político da obra e a força do cinema brasileiro no projeto. Confira a seguir:

A importância dos países coprodutores

Desde o início, O Riso e a Faca foi pensado como uma coprodução internacional, articulando Brasil, Portugal, Romênia e França, revelou a produtora. Tatiana Leite conta que o diretor Pedro Pinho, ainda nos primeiros esboços do roteiro, já vislumbrava a colaboração entre diferentes países. “Os portugueses me convidaram para entrar logo nesse comecinho. Logo depois, a gente conseguiu a França e a Romênia”, lembra.

A participação romena foi especialmente estratégica: “A Romênia é super importante, porque a gente ia filmar em película e eles têm laboratórios excelentes de revelação e de pós-produção”. No caso brasileiro, além da histórica relação cinematográfica com Portugal, houve também uma motivação artística muito pessoal.

O Pedro sempre quis um personagem brasileiro, e o tema do filme é muito pertinente em relação ao Brasil. Um outro motivo muito importante é o fato de que o Pedro queria muito filmar com o fotógrafo Ivo Lopes Araújo, então isso nos ajudou a consolidar essa parceria”.

O valor das diferenças

Em uma coprodução com tantas nacionalidades, é inevitável que existam tensões criativas. Para Tatiana, isso fez parte do processo e foi essencial para o resultado final. “Algumas diferenças culturais podem trazer questões às vezes muito positivas e às vezes grandes desafios em coproduções internacionais”.

Mas ela destaca que o ambiente foi majoritariamente colaborativo: “A maior parte do tempo fazíamos isso num ambiente muito democrático, todos os produtores se sentindo com voz de opinar, de discutir, de questionar…”. E valoriza esse aspecto: “Isso também é o que considero quando uma coprodução tem sucesso: essa mistura, o que isso traz de extra para um filme”.

Os desafios das filmagens

A jornada de O Riso e a Faca foi marcada por desafios em cada etapa, a equipe teve que rodar um filme em película, no meio do deserto, atravessando a pandemia de Covid-19. “É impossível escolher qual o maior desafio, porque o filme teve imensos desafios desde o princípio até o fim”, afirma Tatiana.

Ela relata os obstáculos enfrentados: “A gente pegou a Covid, que atrasou muito a filmagem, depois a gente pegou a filmagem com o pós-Covid, tudo muito delicado. O ator principal teve insolação logo na primeira semana de filmagem”.

Além das condições climáticas e logísticas difíceis, havia ainda a complexidade técnica: “O ato da gente estar filmando em película também não era tão simples filmar na Mauritânia, depois nas aldeias de Guiné-Bissau… tudo um grande desafio, assim, de ponta a ponta”. Até mesmo a pós-produção foi intensa: “O filme só ficou prontinho, literalmente, na véspera de Cannes”.

"Raro e precioso"

Tatiana revela que desde o convite para coproduzir, percebeu o potencial singular da obra. “O momento em que eu percebi que esse filme seria algo raro e precioso foi quando o diretor e a produtora me chamaram para coproduzir com eles. Eu li o roteiro e achei o filme muito relevante; a obra sai totalmente da nossa zona de conforto enquanto olhar e levanta milhares de questões”.

Além do roteiro provocador, havia a admiração pela trajetória do diretor. “Eu já conhecia a obra do Pedro, que tinha feito um filme chamado A Fábrica do Nada, que é incrível, eu fiquei alucinada quando vi há alguns anos no Festival de Cannes”. A combinação entre um tema potente e a assinatura autoral de Pedro Pinho foi, segundo ela, “absolutamente irresistível”.

Potente e provocador

Ao ser questionada sobre os temas abordados na obra, Tatiana reconhece que o filme não se intimida em abordar temas sensíveis. “O filme toca realmente nas feridas abertas do colonialismo e não se intimida diante de levantar várias questões sobre essa temática”. Para ela, essa disposição é essencial: “Mostra talvez que as coisas tenham progredido muito menos do que se imaginaria ou se desejaria, pensando numa humanidade melhor”.

As personagens das mulheres que atravessam o filme são de uma força incrível, com um pensamento e questionamentos e afirmações muito fortes, que para mim é raro de se ver num cinema contemporâneo, sobretudo um filme dirigido por um homem, mas produzido por muitas mulheres”.

Tatiana valoriza a metodologia de criação do filme, que apostou na improvisação e no protagonismo dos atores: “O Pedro, na hora de fazer esse filme, não escreveu o roteiro com os diálogos para os atores decorarem, ele levantou temas… E os atores, alguns que não eram profissionais, improvisaram a partir dos temas”. Para ela, essa abordagem gerou uma obra genuína e potente: “O filme é responsável e, ao mesmo tempo, puxa para discussão, ele não se intimida e eu adoro isso; acho muito importante que o cinema tenha esse papel de provocar”.

Os títulos e Tom Zé

Embora o filme carregue no título uma referência direta à música "O Riso e a Faca", de Tom Zé, o artista baiano não teve envolvimento direto na produção. “Mesmo que sejamos todos muito fãs de Tom Zé, o Pedro, desde sempre, ficou ruminando a ideia de que a música, O Riso e a Faca, é o filme, né?”, explica Tatiana.

Ela destaca a pertinência do título: “Um mundo onde a gente é cercado por contradições, somos contraditórios. Eu acho que nada é mais pertinente do que esse título e essa música”. O longa manteve o título original em português, mas também recebeu traduções: “Na França, a gente fez a tradução literal do título, Le rire et le couteau, mas o título internacional do filme é I Only Rest In The Storm, que é uma frase da música, ou seja, realmente é uma música que está entranhada no que é o filme”.

A estreia em Cannes

A seleção de O Riso e a Faca para a mostra Un Certain Regard foi motivo de grande celebração para Tatiana e toda a equipe. “Ah, é incrível estrear no Un Certain Regard! Faz parte da seleção oficial do Festival de Cannes, então é uma mostra muito nobre que, de fato, o próprio nome diz: coleciona olhares distintos sobre o mundo e sobre cinema”.

Ela valoriza ainda o caráter plural da mostra: “Tive a oportunidade de ver alguns outros filmes que estão na nossa competição e eles são completamente distintos e super interessantes”. Tatiana também enfatiza o orgulho de representar o Brasil no festival: “O filme é uma coprodução oficial com o Brasil, ele representa o Brasil aonde for e tem um DNA marcado por muitos brasileiros”. E conclui: “É um orgulho também para o nosso cinema, porque a coprodução permite que a gente amplie o escopo do nosso cinema”.

Exibição no Brasil

Embora ainda não possa anunciar detalhes sobre festivais nacionais, Tatiana antecipa que há grandes expectativas para a exibição no Brasil. “Obviamente, não posso falar nada agora sobre festivais, mas eu tenho uma expectativa muito grande de estrear nos festivais brasileiros, talvez fazendo uma dobradinha”, sugere.

Ela projeta também o lançamento comercial: “A gente imagina que o filme entre em cartaz no fim deste ano, distribuído pela Vitrine Filmes”.

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