CRÍTICA RS

Coração de Ferro é a aposta da Marvel em um herói menor do MCU. Não vale a pena

A mais recente série do Disney+, centrada no gênio do traje mecha de Dominique Thorne, parece uma relíquia de uma era passada do MCU em que tudo era jogado contra a parede

Alan Sepinwall

Publicado em 25/06/2025, às 11h04
Dominique Thorne como Riri Williams na série Coração de Ferro - Foto: Divulgação/Disney+
Dominique Thorne como Riri Williams na série Coração de Ferro - Foto: Divulgação/Disney+

Riri Williams, que veste a armadura como a heroína titular da nova série do Universo Cinematográfico Marvel (MCU), Coração de Ferro, insiste que seus planos são muito mais grandiosos do que apenas voar por aí com uma armadura inspirada no Homem de Ferro. Sua tecnologia, ela garante, vai transformar o mundo e será, como repete diversas vezes, “icônica”.

Coração de Ferro, infelizmente, parece destinada a ficar bem aquém do status de “icônica”. É um dos últimos vestígios de uma versão do MCU que já não existe mais, com uma das protagonistas menos cativantes de todas essas séries ou filmes. Apesar de apresentar algumas ideias interessantes e personagens coadjuvantes promissores, a execução é irregular. E a temporada termina com uma nota que só é satisfatória se houver muitas outras aventuras da Coração de Ferro pela frente — o que parece improvável, já que a personagem está mais para o limbo ou, no máximo, para coadjuvante menor na história de algum herói mais famoso.

Vamos voltar no tempo. Coração de Ferro foi introduzida nos quadrinhos da Marvel em 2016. Em um momento em que Tony Stark estava temporariamente “morto” (é complicado, mesmo para os padrões dos quadrinhos), dois personagens diferentes assumiram seu lugar. Um deles foi Doutor Destino — o que hoje soa engraçado, já que sabemos que Robert Downey Jr. voltará ao MCU como o próprio Destino. A outra foi Riri, uma prodígio da engenharia adolescente e bolsista do MIT, que construiu sua própria armadura com peças roubadas da faculdade. Por um tempo, a armadura de Riri incluía um sistema operacional de IA baseado no próprio Tony Stark, o que essencialmente permitia que ela conversasse com sua inspiração enquanto lutava contra vilões.

No final de 2020, Marvel anunciou a série Coração de Ferro, com Dominique Thorne no papel de Riri. Por causa da pandemia, de várias greves em Hollywood e do tumulto nos bastidores da Marvel Studios, a série levou quatro anos e meio para se concretizar — embora Thorne já tenha interpretado a personagem no confuso Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, de 2022.

Agora, a série chega em um momento em que a gestão corporativa adotou uma abordagem de “menos é mais”, tentando reduzir a quantidade de lançamentos para recuperar o controle de qualidade que fez do MCU uma força dominante na cultura pop por mais de uma década. Coração de Ferro foi encomendada numa época em que o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, e sua equipe estavam tentando produzir o máximo de conteúdo possível, independentemente da obscuridade do herói. Ela só sobreviveu até aqui porque — assim como Magnum, com Yahya Abdul-Mateen II, previsto para estrear ainda em 2025 — a série já estava em produção antes da mudança de filosofia, e presumivelmente porque Feige não quer fazer como David Zaslav e simplesmente cancelar tudo de uma vez.

Como Wakanda Para Sempre foi lançado há bastante tempo, e como o filme era tão cheio de subtramas que Riri acabou se perdendo nele, a criadora de Coração de Ferro, Chinaka Hodge, age como se esta fosse a primeira exposição real da personagem ao público. Isso significa que o primeiro episódio é uma avalanche de exposição, especialmente no que diz respeito à história trágica de Riri, na qual sua melhor amiga Natalie (Lyric Ross) e seu padrasto Gary foram assassinados. Seus amigos e familiares se referem repetidamente a Gary como “seu padrasto”, em vez de chamá-lo pelo nome, apenas para que o público entenda quem morreu.

Expulsa do MIT por causar uma série de desastres caros, Riri volta para casa em Chicago para ficar com sua mãe, Ronnie (Anji White), e consertar a armadura quebrada que roubou da escola ao sair. Desesperada por dinheiro, ela acaba se envolvendo com um grupo de ladrões liderado por Parker Robbins (Anthony Ramos), conhecido nos quadrinhos como o Capuz. Ele a convence de que são apenas trapaceiros carismáticos que roubam dos tipos de pessoas que ajudam a manter um status quo que impede o avanço de pessoas pobres e não brancas, como Riri.

Durante um ou dois episódios, ele parece uma versão em menor escala do Killmonger do primeiro filme do Pantera Negra: um vilão cujo ponto de vista frequentemente soa mais razoável que o da heroína. (Em certo momento, Riri pergunta se o grupo é mais Onze Homens e um Segredo ou Família Soprano.) Mas, à medida que a história avança, ele se torna muito mais malvado e unidimensional. E sua capa e capuz místicos são daqueles elementos que funcionam muito melhor numa página de quadrinhos do que em live-action.

Há vários tropeços narrativos ao longo do caminho. Um personagem é abruptamente morto fora de cena antes que a série consiga realmente tirar proveito da escalação do ator que o interpreta. Alden Ehrenreich está divertidíssimo como Joe, um nerd instintivamente apologético que, a contragosto, se torna assistente de Riri — mas ele entra e sai da trama, depois muda de personalidade do nada, e então meio que volta ao normal? As cenas de ação geralmente funcionam melhor quando são em escala reduzida — especialmente uma em que Riri, sem a armadura, precisa improvisar armas com o que tem à mão em um White Castle —, mas as sequências com a armadura em potência máxima são visualmente muito mais irregulares. Talvez não por coincidência, a armadura vive sendo destruída e precisa ser reconstruída.

No geral, porém, o problema é Riri — e Thorne. Não é impossível contar uma história envolvente sobre uma personagem consumida pelo luto — vide WandaVision, a melhor série do MCU até hoje. Mas da forma como Riri foi escrita, e como é interpretada por Thorne, ela é tão carrancuda e monótona que Coração de Ferro praticamente empaca sempre que uma cena gira em torno da protagonista. É um raro erro de escalação de uma empresa que costuma ser excelente nisso, mesmo em projetos que não funcionam (vide Oscar Isaac em Cavaleiro da Lua). Quase todos os outros personagens são mais interessantes quando a narrativa foca neles, especialmente Natalie (Lyric Ross), que “volta à vida” virtualmente como a nova IA da armadura. Ross brilha em cena de um jeito que, infelizmente, Thorne não consegue.

A temporada caminha para uma grande decisão de Riri, que só tem impacto dramático se houver a intenção de haver mais temporadas de Coração de Ferro — ou, no mínimo, se ela estiver destinada a ter um papel significativo no MCU daqui para frente. Talvez, em outra época, ela se juntaria a Ms. Marvel, Kate Bishop, Billy Maximoff e outros jovens heróis introduzidos nas séries do Disney+ em uma eventual série ou filme dos Jovens Vingadores. Mas a menos que Coração de Ferro — que a Marvel parece estar tentando apagar da memória antes mesmo de sua estreia(*) — seja um sucesso absolutamente improvável, o máximo que Riri pode esperar é aparecer em uma grande cena de batalha em um dos próximos filmes dos Vingadores.

(*) É especialmente estranho que a Marvel tenha decidido que esta, de todas as séries, seria a responsável por introduzir a versão MCU de um personagem importante dos quadrinhos — a menos que não haja nenhum plano futuro para esse personagem. Assim como provavelmente nunca mais veremos Brett Goldstein como Hércules, Harry Styles como Starfox, Kit Harington como Cavaleiro Negro, ou outros heróis sugeridos nos últimos seis anos de projetos da Marvel e depois abandonados quando as prioridades corporativas mudaram.

A parte mais triste disso tudo é que Kevin Feige fez um esforço real e admirável, após Vingadores: Ultimato, para tornar o MCU mais inclusivo em relação aos personagens que coloca em destaque — após anos ouvindo seu então chefe, Ike Perlmutter, dizer que ele deveria focar apenas em heróis homens brancos porque “são os que vendem brinquedos”. Feige só tentou isso em meio a duas circunstâncias difíceis: 1) Ultimato foi encarado como uma conclusão perfeita da franquia por grande parte do público casual, o que fez muitos se afastarem; e 2) Disney passou a exigir mais projetos do MCU do que Feige poderia supervisionar pessoalmente, e a consistência — que sempre foi marca registrada da franquia — começou a desaparecer rapidamente. Com algumas exceções, como Pantera Negra original, os filmes do MCU tinham um teto relativamente baixo, mas um piso altíssimo; agora, o piso está bem mais baixo — e imprevisível.

O resultado disso é que muitos projetos centrados em heróis não brancos, ou que os destacavam, acabaram sendo criativamente irregulares e tiveram desempenho fraco nos cinemas ou no streaming — o que só serve para reforçar as crenças dos "Ike Perlmutters" do mundo, quando, na verdade, trata-se de correlação, não de causa. (Thunderbolts, um ótimo filme do MCU com elenco majoritariamente branco, também teve dificuldade para atrair o público mais cedo neste ano.) Coração de Ferro e Magnum (pelo qual eu torço, como fã de longa data desse Vingador claramente de terceira linha) não serão os últimos projetos do MCU com personagens não brancos em destaque — Vingadores: Doomsday terá Shang-Chi, Shuri e Namor, entre outros. Mas eles parecem marcar o fim de uma era em que a Marvel acreditava que podia apostar em qualquer propriedade e sair ganhando. Coração de Ferro foi uma aposta que não deu retorno.

Os três primeiros episódios de Coração de Ferro já estão disponíveis no Disney+, e os três finais serão lançados em 1º de julho. Eu assisti aos seis episódios.

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