A morte de um atleta CrossFit
Um dos homens mais aptos do planeta se afogou durante uma corrida em Fort Worth. Como isso aconteceu?
Calum Marsh
Publicado em 20/06/2025, às 10h32
O sol começava a nascer no Marine Creek Lake, em Fort Worth, Texas, e Lazar Ðukić estava confiante.
Aos 28 anos, natural da Sérvia, Ðukić era conhecido na comunidade do CrossFit por seu jeito tranquilo — um otimismo incansável que se manifestava no sorriso largo, a primeira coisa que muitos notavam nele. Naquela manhã, ele tinha motivos de sobra para essa autoconfiança, além de seu bom humor habitual. Estava prestes a encarar uma corrida de 5,6 km seguida de um nado de 800 metros — o primeiro evento dos CrossFit Games 2024 — e, como ex-jogador de polo aquático e nadador forte desde os sete anos, sabia que era um dos favoritos entre os homens.
“Me perguntaram o que o CrossFit significa para mim”, disse Ðukić em um vídeo postado no Instagram na véspera da prova. “É a única coisa em que sou bom”, brincou. “Este ano, meu objetivo é subir ao pódio — e permanecer nele por muitos anos.”
David Shorunke, ex-atleta dos Games e treinador da atleta Emma Tall, viu Ðukić se alongando e aquecendo perto da linha de chegada pouco antes da largada. Ðukić pediu um gole de água de sua garrafa — ainda antes do amanhecer, o calor texano já se aproximava dos 30 °C. Mesmo assim, disse a Shorunke que se sentia bem: tinha um plano sólido. Sabia o que estava fazendo.
“Sabendo o quão bom ele é”, contou Shorunke mais tarde, “eu esperava que ele vencesse a prova.”
Assim que a buzina marcou o início da corrida, Ðukić disparou, liderando o grupo durante a corrida e a maior parte da natação. Nas transmissões de TV, nas imagens aéreas e nas filmagens da margem, era visível Ðukić nadando com tranquilidade rumo à linha de chegada, bem à frente dos adversários.
Mas, ao chegar ao trecho final, ele de repente pareceu desaparecer — e nunca surgiu na margem. Os espectadores ficaram perplexos: em um momento ele estava visível, e no seguinte havia sumido.
Shorunke estava na chegada esperando por Tall quando Anja Pantović, namorada de Ðukić, se aproximou em estado de desespero. (Pantović não foi localizada para comentar.) Ela disse a Shorunke, em lágrimas, que não viu Ðukić sair da água. Shorunke tentou tranquilizá-la, dizendo que ele provavelmente já estava na área de recuperação dos atletas — afinal, era um nadador experiente e certamente estava bem. Mas, por dentro, ele duvidava.
“Ele já devia ter saído da água”, pensou. “Foi quando percebi que algo estava errado.”
Apesar da intensidade, o CrossFit nunca foi considerado particularmente perigoso. Um estudo de 2013, publicado no Journal of Strength and Conditioning Research, apontou uma taxa de lesões de 3,1 a cada mil horas de treino — similar ao levantamento de peso ou ao triatlo, esportes que não são vistos como especialmente arriscados. Mas há riscos inerentes às competições de alto nível, onde o ambiente competitivo pode levar atletas a ultrapassarem seus próprios limites. Mortes ocorrem até em situações aparentemente seguras, quando o corpo é exigido além do suportável: em maio deste ano, dois jogadores de futebol universitário morreram no mesmo fim de semana durante duas maratonas distintas — um por insolação e outro por parada cardíaca.
O método de treino do CrossFit foi desenvolvido por Greg Glassman, ex-ginasta e personal trainer, em Santa Cruz, Califórnia, nos anos 1990. A prática ganhou popularidade no fim dos anos 2000, por ser acessível, eficaz e escalável: qualquer pessoa, de qualquer origem, poderia entrar em uma aula e sair mais em forma. “As necessidades de um atleta olímpico e de nossos avós diferem em grau, não em tipo”, era uma das frases mais famosas de Glassman. CrossFit foi pensado para todos.
Uma aula típica pode incluir remo, agachamentos com barra e um circuito de barras fixas e burpees, tudo adaptado a diferentes níveis e com foco na técnica correta.
Mas fora das academias, o método é representado pelos CrossFit Games, competição realizada anualmente há quase 20 anos. Criados para coroar os “mais bem condicionados do planeta”, os Games são o ápice do CrossFit — corpos suados, músculos saltando e barras voando. O evento surgiu como uma forma de provar a eficácia do programa, colocando seus melhores atletas à prova. Hoje, representa a elite do CrossFit, com dezenas de competidores que encaram o mais alto nível do regime seguido por centenas de milhares de pessoas em cerca de 11 mil academias afiliadas em todo o mundo, segundo uma fonte próxima à empresa.
A temporada dos Games começa em fevereiro com o CrossFit Open, uma classificatória online aberta a todos e que, em 2018, chegou a atrair quase meio milhão de inscritos. Os melhores passam por etapas presenciais regionais, quartas de final e semifinais até os Games, em agosto. No início, os atletas eram amadores buscando reconhecimento e prêmios modestos, mas ao longo da última década os Games evoluíram para um esporte profissional, com centenas de atletas ao redor do mundo treinando em tempo integral. E embora a base de fãs ainda seja majoritariamente americana, o CrossFit também cresceu em países como Islândia, Austrália e nos Bálcãs.
A empresa sempre teve uma relação complicada com os Games. A competição, com múltiplas fases e grande escala, é caríssima. Documentos internos de 2017, revisados pela Rolling Stone, indicam que mais da metade do faturamento da empresa era gasto nos Games — e que o retorno era de apenas 25% disso. Embora as transmissões na ESPN ajudem a divulgar a marca, o custo é difícil de justificar, principalmente depois que a pandemia freou o crescimento do CrossFit. (Uma fonte próxima à empresa nega veementemente esses números e afirma que são imprecisos.) O número de academias afiliadas caiu quase 30% desde o auge no fim da década de 2010. E a reputação da marca também sofreu: em 2020, Greg Glassman enfrentou acusações de racismo e má conduta sexual, o que o levou a vender a empresa para a gestora de investimentos Berkshire Partners. (Glassman nega repetidamente as acusações.)
Os Games de 2024 eram uma chance crucial de justificar a importância da competição para a marca e entregar um evento impactante. Eu fui até Fort Worth para cobrir a edição para o New York Times, e os organizadores demonstravam entusiasmo com o que esperavam ser um ano marcante. Dave Castro, ex-SEAL da Marinha e responsável por planejar os eventos desde o início, tinha grandes planos. “Estou fazendo muitas coisas para gerar interesse, discussão, visibilidade, empolgação — e às vezes, controvérsia”, me disse Castro em uma entrevista algumas semanas antes. “Não tenho problema com controvérsia… Na verdade, vamos nos apoiar nisso. E todo mundo vai estar falando sobre isso por causa disso.”
Ele não podia saber, mas os Games de 2024 se tornariam os mais controversos de sua carreira.
POUCO ANTES DO AMANHECER DE 8 DE AGOSTO, em Fort Worth — onde os Games estavam sendo realizados pela primeira vez —, os 78 homens e mulheres competindo nos CrossFit Games 2024 tiraram as camisetas e correram de um lado para o outro pela área irregular e inclinada que servia como aquecimento, próxima ao Marine Creek Lake.
Às 6h35, cerca de meia hora antes da largada, Dave Castro chamou os atletas para a margem do lago e anunciou uma mudança. No briefing do dia anterior, ele havia mostrado o percurso no quadro branco, marcando os pontos onde as boias estariam posicionadas. Explicou que as boias deveriam ficar à esquerda dos atletas e que quem saísse do trajeto seria penalizado. Agora, ele estava mudando a regra: as boias ainda estariam ali, mas bastava nadar do píer até a linha de chegada — podia-se passar de qualquer lado das boias. Nos vídeos, é possível ver atletas nadando bem longe delas, sem penalização.
Essas mudanças de última hora de Castro já eram frequentes a ponto de muitos atletas esperarem por elas. “A gente já está acostumado com isso”, disse Emma Tall. Ela havia explorado o lago no dia anterior e escolhido um ponto de referência do outro lado — uma árvore grande — para se orientar caso as boias não aparecessem como prometido. “Você se prepara para esse tipo de coisa”, disse. “Eu não confio.” As boias serviam como um mínimo de orientação visual. Sem elas, os atletas ficariam dispersos de maneira mais aleatória pela extensão do lago. (Uma fonte próxima à empresa afirmou que a equipe sabia dos detalhes da competição com antecedência e planejava tudo, e que mudanças só ocorriam em casos raros, como durante ensaios ou por causa do clima.)
Os atletas receberam toucas de natação coloridas como precaução de segurança e deveriam mantê-las durante todo o trajeto. Pat Vellner, atleta canadense, perguntou se seriam penalizados caso perdessem a touca durante a corrida. Disseram a ele que “não teria problema” — o que muitos entenderam como permissão para simplesmente não usá-las. “Depois de 100 metros, eu tirei a minha — minha cabeça estava fervendo”, contou. “Você via toucas por toda a trilha.”
Às 7h20, os primeiros atletas tiraram os tênis e desceram a rampa do píer para iniciar os 800 metros de nado. Esperavam se refrescar do calor da trilha Trinity, onde a temperatura já chegava a 34°C durante a corrida de 5,6 km. Mas parecia que estavam mergulhando em uma jacuzzi. “É muito estranho entrar na água e ela não estar refrescante — a água parecia mais quente que o ar”, disse um atleta.
Havia alguns voluntários em pranchas de stand-up paddle na água. Alguns eram socorristas (de camiseta vermelha), outros eram juízes (de azul), para garantir que os atletas seguissem o percurso. Segundo o jornalista Mike Halpin, do blog Known and Knowable, que conversou com voluntários, ninguém foi questionado se tinha experiência aquática, e nem juízes nem socorristas receberam apitos ou coletes salva-vidas para emergências. (Outros atletas confirmaram que não viram equipamentos de flutuação — e eles também não aparecem nos vídeos da prova. Uma fonte próxima à empresa afirma que os socorristas tinham sim experiência em resgate aquático.)
Os atletas foram obrigados a usar óculos de natação fornecidos por um patrocinador. Muitos relataram que os óculos embaçaram imediatamente. Ao mesmo tempo, o sol nascia direto no campo de visão dos nadadores, tornando impossível enxergar. “Foi um apagão visual total”, disse Vellner. “Você não via nada.”
Foi demais para Elisa Fuliano, atleta italiana, que começou a ter um ataque de pânico. Exausta, desorientada e com a frequência cardíaca nas alturas, ela se sentiu à beira de se afogar. Braços batiam nela conforme os outros passavam, e ela tentava seguir na direção geral do grupo. Ela achava, com base em provas passadas, que pedir ajuda significaria desclassificação — não só da prova, mas do fim de semana inteiro de competição. Mesmo assim, aceitou o risco.
“Naquele momento, eu só queria sair da água”, diz. “Mas quando olhei em volta, não havia ninguém. Não vi ninguém.”
Ela conseguiu avançar, num nado peito lento e hesitante, até o outro lado do lago. Já não pensava mais na competição — pensava na família. Em sobreviver.
Foi só ao se aproximar da chegada, 18 minutos depois, que Fuliano finalmente viu um socorrista, de vermelho, em uma prancha. Não acreditou. Onde estavam os outros? Ao sair da água, sentia apenas gratidão por estar viva. “Eu amo o esporte, mas aquilo parecia guerra, não um treino”, disse. “Era sobre sobreviver. Aquilo não é o CrossFit que eu gosto.”
Às 7h38, dois minutos depois que o belga Jelle Hoste cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, Brian Friend — analista e comentarista especializado em CrossFit — mandou uma mensagem para um colega sobre a prova: “Eu estava errado. Lazar morreu lol.”
O que ele queria dizer era que Ðukić, que liderava com folga, aparentemente havia perdido o ritmo. A ideia inicial — de que ele estava apenas economizando energia no trecho final para vencer com tranquilidade — estava errada. Ele claramente estava lutando. A qualquer momento, surgiria mancando na chegada, em segundo.
Nascido em Novi Sad e criado em Temerin, na província de Vojvodina, na Sérvia, Ðukić conheceu o CrossFit enquanto treinava para ser salva-vidas nos EUA. Um colega de quarto lhe apresentou o “Murph” — um treino brutal com flexões, barras e agachamentos usando um colete militar com peso. Ðukić ficou obcecado. Ao voltar para a Sérvia, disse: “Meu objetivo era me classificar para os Games imediatamente.”
Ele treinava com o irmão mais novo, Luka, e seu talento natural, aliado à determinação, o fez se destacar. Em 2017, foi o atleta número 1 do país e, em sua estreia nos CrossFit Games, em 2021, ficou no top 10.
Embora natação não seja prática comum no CrossFit (quase nenhuma box tem piscina), os eventos aquáticos são uma marca registrada dos Games sob comando de Castro. Muitos atletas têm dificuldade nessas provas — mas Ðukić, com seu histórico no polo aquático, era visto como um favorito absoluto para essa.
Nos dois minutos seguintes, diversos atletas saíram da água: Brent Fikowski, Tia-Clair Toomey-Orr, Roman Khrennikov, Ricky Garard. Mas nada de Ðukić. Friend começou a se alarmar. “Cara”, escreveu em seguida, “ele tá bem mesmo?”
Por volta das 7h40, começou uma agitação na margem. Jessica Smith, espectadora, disse ao blog Morning Chalk-Up que achou ter visto alguém se debatendo na água e começou a gritar: “Ele está se afogando!” Ela tentou chamar dois voluntários em pranchas — um socorrista, outro juiz. Pediu que seu namorado, ex-fuzileiro naval, pulasse na água, mas assim que ele entrou, um dos voluntários o mandou voltar.
Outra espectadora, Shanna Medeiros — mãe do bicampeão dos Games Justin Medeiros — disse ao mesmo blog que tinha “99,9% de certeza” de ter visto alguém se afogando perto da rampa. Tentou alertar a equipe, mas foi informada por um voluntário que “todos os atletas masculinos já foram contabilizados” e que ela não precisava se preocupar.
Às 7h41, o locutor Larry Moss anunciou pelo alto-falante que “Ðukić, Lazar” estava “se aproximando da linha de chegada.”
Brian Friend sentiu um alívio momentâneo — até olhar para a linha de chegada e ver que, na verdade, era Luka Ðukić, o irmão mais novo de Lazar, quem estava saindo da água. Moss havia se confundido e logo corrigiu o erro.
Lazar e Luka sempre foram inseparáveis. Três anos mais novo, Luka foi jogador de futebol por muitos anos e quase se tornou profissional, até que uma lesão na fíbula interrompeu sua carreira. Os dois viviam brigando e lutando quando eram crianças, embora “Lazar fosse muito mais forte que eu, então eu não tinha muita chance”, contou Luka em uma entrevista pouco antes dos Games. Durante sua recuperação, foi Lazar quem sugeriu que ele tentasse o CrossFit.Luka também ficou obcecado.
Treinavam juntos na garagem de casa, na Sérvia, embora, como Luka apontava, seguissem programas diferentes, com treinadores distintos — o que dava uma rivalidade divertida aos treinos. Aquela era a segunda vez que competiam juntos nos Games. Quando Lazar venceu uma semifinal europeia mais cedo naquele ano, garantindo vaga para os Games, aproveitou o momento para elogiar o irmão:
“Isso aqui não significa tanto quanto o meu irmão se classificar e a gente ir junto para os Games”, disse ao público em Lyon, na França. “Para mim, essa é a coisa mais marcante do fim de semana — estarmos voltando juntos, nos preparando para os Games juntos.”
Dos dois, Lazar era o atleta mais forte — especialmente na natação. Por isso, quando Friend viu Luka sair da água, sentiu um calafrio. “Conhecendo os dois, Luka jamais bateria Lazar nessa prova”, diz. “Foi a primeira vez que fiquei realmente preocupado com a vida dele.” (Luka não quis comentar para esta reportagem.)
Na área de recuperação, quase uma hora após a largada, enquanto os atletas relaxavam em banheiras de gelo, Luka e Anja Pantović, namorada de Lazar, corriam de pessoa em pessoa perguntando se alguém tinha visto Ðukić. Ninguém tinha. Alguns achavam que ele poderia ter ido para o estacionamento após um mau desempenho. Outros ouviram rumores — sem saber de onde vinham — de que ele teria nadado para o lado errado e sido encontrado em outra margem. Funcionários da CrossFit só aumentavam a confusão. Shorunke se lembra de um deles dizer a Luka que tinham “os olhos em Ðukić” e que o chip de cronometragem dele havia cruzado a linha de chegada.
Não era verdade. E o chip não havia cruzado.
Mesmo assim, o próprio Dave Castro disse a Luka, por volta desse momento: “Encontramos ele.” Shorunke, que ouviu a fala, ficou perplexo com a confiança. “Eles insistiam que tinham encontrado o cara”, diz. “Mas não tinham. Não tinham encontrado.”
Em declaração à Rolling Stone, Castro disse:
“A morte de Lazar foi um momento profundamente trágico para nossa comunidade e para mim, pessoalmente. As minhas reflexões sobre aquele dia e os resultados da investigação independente agora orientam como operamos como organização. Sempre levei a sério o bem-estar dos nossos atletas e fizemos mudanças significativas nos protocolos de segurança em todas as frentes. Meu foco agora é entregar o melhor do CrossFit nos Games de 2025, e minha esperança é que toda a comunidade CrossFit possa se unir para seguir em frente.”
À beira do lago, Shorunke ficou impressionado com o quão desorganizada era a resposta. “Não consigo ouvir o que falam uns com os outros, mas consigo ver o que está acontecendo. Vejo eles correndo para lá e para cá, como galinhas sem cabeça, e ouço duas vezes alguém dizer que encontraram ele — quando não encontraram.”
Perto das 8h, ao ficar dolorosamente claro que Lazar não havia sido encontrado, os organizadores ligaram para os serviços de emergência, segundo registros da polícia. Médicos e juízes em pranchas começaram a vasculhar a margem. Shorunke e outros pularam na água, perto de onde Lazar foi visto pela última vez, tentando inutilmente vasculhar os 12 metros de profundidade do lago, enquanto espectadores preocupados se aglomeravam em volta, observando com angústia crescente.
“Tudo em que eu conseguia pensar era que ele tinha nadado para outra margem. Era absolutamente impossível aceitar que ele se afogou — isso não entra na sua cabeça como uma possibilidade real”, diz Emma Tall. “Mas quanto mais o tempo passava, mais aquilo se tornava inegável. Você sabe o que provavelmente aconteceu. Mas simplesmente não consegue acreditar.”
Outro grupo de atletas, que competia por equipes e deveria largar às 8h, foi dispensado da linha de partida. Disseram que a prova estava adiada. Embora ninguém soubesse de nada com certeza, as redes sociais já fervilhavam de especulações. A polícia local fazia perguntas no local e, pouco depois das 8h, barcos de resgate apareceram na água. Uma equipe de mergulhadores se preparava para buscar um corpo no fundo do lago. Para quem ainda estava ali, o sinal era claro: a notícia era ruim.
Na área de aquecimento, havia um espaço reservado para os pertences dos atletas. Às 8h10, quase tudo já havia sido levado.
Só restava uma mochila. Era a de Ðukić.
A edição inaugural dos CrossFit Games foi realizada no rancho da família Castro, em Aromas, Califórnia, mas em poucos anos a competição abandonou o clima de churrasco de quintal em troca de algo mais grandioso — realizado em estádios esportivos e custando muitos milhões de dólares, impulsionado pelo crescimento acelerado da empresa, à medida que boxes de CrossFit surgiam pelo mundo.
À medida que a competição crescia, a ambição de Dave Castro também parecia crescer — sempre mais ousada. Dr. Adam Schulte, ex-médico dos Games, tem uma visão crítica da forma como o CrossFit lida com a segurança dos atletas:
“Eles não tratam os atletas como outras organizações tratam. Eles são descartáveis. São substituíveis.”
Schulte aponta o CrossFit Games de 2015, no StubHub Center, em Carson, Califórnia, onde testemunhou os competidores enfrentarem o "Murph" — um desafio brutal de 40 minutos com flexões, barras e duas milhas de corrida, tudo com um colete de peso estilo militar sob um calor extremo. Vários atletas sofreram insolação e precisaram de atendimento médico, enquanto a jovem Maddy Myers, de 18 anos, foi hospitalizada com rabdomiólise — uma condição potencialmente fatal causada pela quebra acelerada de tecido muscular por esforço excessivo. Depois do evento, Schulte tornou públicas suas preocupações com o que considerou falta de preparo para o calor extremo e negligência com protocolos médicos.
Eventos aquáticos já haviam sido problemáticos antes. Em 2017, durante uma prova de corrida-natação-corrida, o atleta de 57 anos Will Powell quase se afogou e foi salvo por um competidor. Já o ex-campeão Mat Fraser também passou por apuros em uma prova de águas abertas e disse ter temido pela própria vida, segundo seu ex-técnico Chris Hinshaw.
“O espírito dos CrossFit Games sempre foi: ‘Até onde podemos levar as pessoas?’”, diz Alyssa Royse, ex-dona de box de CrossFit e crítica aberta da empresa. “Nem sempre é um teste de força. Às vezes é só um teste de lealdade — ou estupidez.”
NO PISO DA ARENA DICKIES, na tarde seguinte à prova, o clima era de silêncio absoluto.
Pouco depois das 16h, centenas de atletas, treinadores e membros da equipe da sede da CrossFit estavam reunidos no centro do estádio cavernoso, aguardando Dave Castro, com seu boné característico e camiseta justa, fazer um pronunciamento. Nada havia sido oficializado, mas quase todos já tinham visto as reportagens locais: Lazar Ðukić havia sido declarado morto, seu corpo encontrado por mergulhadores e retirado do lago pouco depois das 10h da manhã — o que o IML do Condado de Tarrant depois classificou como afogamento acidental. Agora todos esperavam saber o que a CrossFit faria diante da tragédia.
Castro entrou e se posicionou no meio da sala. Começou a falar, mas parou — como se tivesse repensado — e ficou em silêncio por um longo tempo. Ninguém se mexia.
Finalmente, ele fez um anúncio breve. Disse aos atletas que os CrossFit Games continuariam. Segundo relatos, ele reconheceu a tragédia e então disse, abruptamente: “Temos a bênção da família para seguir em frente. Alguma pergunta?”
A sala ficou em choque. Ninguém sabia o que dizer. Castro, ex-Navy SEAL, nunca foi exatamente conhecido por sua sensibilidade — “Minha esposa diz que sou um sociopata”, ele chegou a brincar em um vídeo dos bastidores dos Games — mas até para ele, isso pareceu insensível demais.
Kara Saunders, atleta veterana dos Games com 11 participações, foi quem finalmente falou:
“É só isso? Alguém acabou de morrer, e você entra aqui e a gente só continua os CrossFit Games? Finge que nada aconteceu?”
“Não, não, não estou fingindo que nada aconteceu”, Castro insistiu rapidamente. Explicou que havia falado com a família, e que a família queria que os Games continuassem.
Nesse momento, Laura Horvath, campeã dos Games em 2023, deixou a sala. Vários outros atletas a seguiram. Os que ficaram entraram em debate — alguns achavam que os Games deveriam seguir normalmente, outros defendiam o cancelamento total. Muitos sugeriram que os Games fossem convertidos em uma exibição em homenagem a Ðukić, com o prêmio em dinheiro — mais de US$ 3 milhões — dividido entre os atletas e a família de Lazar.
Os atletas estavam divididos. Muitos, especialmente os que conheciam Ðukić, ficaram horrorizados com a ideia de continuar como se nada tivesse acontecido — e se retiraram. Outros estavam visivelmente abalados, chorando e sem conseguir se concentrar. Um ou outro pareceu simplesmente não se importar: “Não vejo qual é o problema”, disse um atleta. “É”, concordou outro. “Pessoas morrem todos os dias.”
Castro reiterou que havia falado com Luka, irmão de Ðukić, e que Luka queria que os Games continuassem: “Ele disse que é isso que o Lazar gostaria — que a gente continue”, insistiu. Para uma atleta que se sentia dividida, esse argumento foi o mais convincente para seguir competindo. “A gente pensou: ‘Beleza, isso tudo parece esquisito, ainda está errado, mas… é o irmão dele.’”
Castro então enviou um e-mail com uma pesquisa para os atletas, e logo depois comunicou que a maioria havia votado a favor de seguir com os Games.
Naquela noite, Brian Friend estava em seu quarto de hotel, sem conseguir dormir. Por volta das 3h da manhã, enviou uma mensagem a Luka oferecendo condolências. Luka imediatamente iniciou uma chamada de vídeo. Tinha algo a esclarecer.
Segundo Friend, Luka contou que Castro e Nicole Carroll (diretora de marca da CrossFit) foram até seu quarto naquela tarde. Ele tinha acabado de saber que o corpo do irmão havia sido encontrado, ainda estava de sunga molhada, em choque. Castro teria dito que queriam continuar com os Games como uma homenagem a Lazar.
Luka hesitou. Não conseguia pensar direito e não estava em condições de tomar uma decisão tão importante. Disse: “Eu não dou a mínima. Façam o que quiserem.” E acrescentou que isso não deveria depender dele.
Castro respondeu que não dependia dele mesmo. Depois dos Games, Luka contou essa história no Instagram, contradizendo a versão dada por Castro. Este, por sua vez, pediu desculpas publicamente, também no Instagram:
“Eu nunca deveria ter dito que a decisão de continuar os CrossFit Games em agosto teve a ‘bênção’ da família. Nunca estive em uma situação assim antes e, sem dúvida, cometi um erro.”
Os CrossFit Games foram retomados na sexta-feira à tarde, pouco mais de 24 horas após o afogamento de Ðukić.
QUANDO CONVERSEI COM DON FAUL, CEO da CrossFit, mais tarde naquele fim de semana, ele me disse que a empresa já havia iniciado uma investigação independente e enfatizou a importância de “fazer perguntas sobre o que aconteceu aqui” e de realizar mudanças com base no que viesse à tona.
“Nossa intenção sempre foi ser transparente quanto a isso,” ele disse, “e continuaremos sendo.”
Mas, nos meses seguintes à morte de Ðukić, ficou evidente que nenhuma resposta seria fornecida ao público. Em novembro passado, ao encerrar-se a investigação terceirizada, a CrossFit anunciou que “os resultados foram entregues ao nosso Conselho de Diretores”, mas que não divulgaria o relatório completo, alegando “motivos legais e de privacidade”.
Ainda assim, a empresa instituiu diversas mudanças em resposta à tragédia: criou um novo conselho de segurança e suspendeu todas as provas de natação em águas abertas por tempo indeterminado.
Em nota enviada à Rolling Stone, a CrossFit afirmou: “A CrossFit foi fundamentalmente transformada pela trágica perda de Lazar, e rejeitamos as críticas de que não levamos isso a sério — nossas ações provam o contrário. Cumprimos todos os compromissos assumidos com relação à segurança e continuamos a implementar mudanças operacionais. Esses compromissos incluem a contratação de um novo chefe de segurança, a criação de um Conselho Consultivo de Segurança e de um Conselho de Atletas indicado pela comunidade, além da suspensão de todas as provas de natação em águas abertas no futuro próximo. Como organização, nosso foco agora é realizar um CrossFit Games seguro e bem-sucedido em 2025 para nossos atletas e para toda a comunidade CrossFit.”
O Conselho de Atletas, formado por representantes da comunidade profissional do CrossFit, foi criado para facilitar a comunicação com a liderança da empresa e apresentar preocupações dos atletas. Taylor Self, integrante do conselho, me contou que uma das primeiras exigências feitas à CrossFit foi ter acesso aos resultados da investigação, para que pudessem colaborar com recomendações.
“Mas a CrossFit recusou. A gente não recebeu o relatório. Eles disseram que seguirão a orientação jurídica de não tornar os resultados públicos,” relatou Self.
Em resposta, um porta-voz da CrossFit declarou:
“As críticas contínuas sobre não divulgarmos os detalhes extensos dessa morte trágica não servem de forma construtiva à nossa comunidade. A CrossFit tem estado focada em implementar mudanças que garantam a segurança dos atletas nos próximos Games. Acreditamos que o mais importante é que a investigação gerou ação, e que estamos fazendo mudanças concretas.”
Greg Glassman, fundador da CrossFit, hoje fora da operação da empresa, foi direto:
“O que precisa ser feito agora, do ponto de vista da ‘nave-mãe’, ou de quem realmente se importa com as pessoas, é descobrir o que aconteceu para evitar que aconteça de novo.” Ele critica o sigilo sobre a investigação: “O fato de tudo estar encoberto, essa ideia de que contrataram alguém para investigar e depois esconderam tudo pelo ‘bem da família’? Eu chamo de besteira.”
A manutenção do status quo foi demais para alguns. Após a tragédia, diversos dos principais atletas do esporte anunciaram que não competiriam nos CrossFit Games de 2025, incluindo Pat Vellner, Brent Fikowski e Chandler Smith.
Smith explicou: “Eu senti que eles foram responsáveis, que isso era evitável, e percebi que, ao continuar competindo, eu estava só carregando água para eles. Precisei aceitar que isso nunca vai mudar.”
Amadores também reagiram. Segundo dados do app oficial do CrossFit Games, o número de inscritos no CrossFit Open de 2025 caiu mais de 30%. Além disso, mais de 12% dos boxes afiliados no mundo inteiro cancelaram suas afiliações ou fecharam as portas no último ano — em parte, provavelmente, por conta do aumento na taxa de afiliação implementado no início de 2024.
Em março, os donos da empresa, a Berkshire Partners, anunciaram que a marca estava à venda, justificando apenas que “chegou o momento de encontrar um novo proprietário para o próximo estágio de crescimento”.
Para Chris Hinshaw, treinador do atleta Jeff Adler, não é preciso um relatório para perceber que o “Lake Day” foi mal planejado:
“Isso foi um grande alerta para mim. Era só colocar mais gente na água… garantir que houvesse dispositivos de flutuação… manter os atletas em um lado só das boias… deixar que usassem seus próprios óculos… coisas assim. Vindo da natação e do triatlo, onde há protocolos bem definidos, fiquei chocado com o que vi.”
Mike Halpin, do blog Known and Knowable, que cobriu exaustivamente o caso e montou uma linha do tempo da prova, diz: “As pessoas querem dizer ‘ah, ele se afogou e a gente não viu nos dois segundos em que isso aconteceu’. Não. A prova toda foi mal conduzida. E nesse processo, isso aconteceu.”
Essa foi a primeira morte em quase 20 anos de história dos CrossFit Games, mas para alguns, o acidente era inevitável.
“Isso é o resultado de 10 mil decisões ruins,” disse o analista Brian Friend. “Não é um caso isolado.”
Em maio, fui até Montpellier, na França, para o French Throwdown, uma competição sancionada pelo CrossFit que serve como semifinal para os Games de 2025. Durante o evento final do fim de semana, a atleta suíça Mirjam von Rohr desabou no chão durante o treino, aparentemente por esforço excessivo. Com o braço direito tremendo, ficou claro que algo estava errado — e em segundos, médicos tomaram o chão de prova e a levaram em uma maca.
Von Rohr se recuperou rapidamente, sem dúvida em parte graças à resposta ágil da equipe médica.
Na manhã seguinte à morte de Ðukić, os atletas restantes se reuniram na arena para uma breve homenagem. Competidores e voluntários marcharam até o centro da arena vestindo camisetas pretas, permaneceram em silêncio por alguns momentos e, em seguida, se retiraram, enquanto um pequeno slideshow era exibido no telão.
Luka Ðukić resumiu o sentimento de todos ao postar uma foto da homenagem no Instagram: “Nenhuma homenagem jamais vai trazer você de volta para mim.”
+++LEIA MAIS: Trump adia banimento do TikTok por mais 90 dias